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Sociedade do desempenho: mulheres cansadas e colapsadas

  • psicottrauma
  • 14 de jun.
  • 2 min de leitura

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Vivemos em uma era que, ao prometer liberdade, impôs novas formas de opressão mais sutis, mas não menos cruéis. A liberdade de "poder tudo" foi transformada na obrigação de "ter que tudo". O discurso da autonomia pessoal, da superação e do empoderamento ganhou contornos perigosos quando se tornou sinônimo de exigência permanente.

A mulher que dá conta de tudo

Trabalhar, estudar, manter a casa em ordem, cuidar da saúde emocional, alimentar as relações, ser uma boa mãe (ou filha, ou parceira), tudo isso com gratidão, equilíbrio e um sorriso no rosto. Essa parece ser a mulher ideal do século XXI.

Essa lógica é sedutora porque oferece uma falsa promessa: se você tentar o suficiente, vai conseguir. Vai ser admirada, reconhecida, vai finalmente "chegar lá". Mas esse “lá” é uma miragem. E o custo de persegui-lo, alto demais.

Quando a exaustão vira identidade

Cada vez mais, vemos mulheres hiperprodutivas, exaustas e colapsadas. A sobrecarga se tornou parte da identidade. O cansaço, uma marca de pertencimento. A culpa por não ser perfeita, uma rotina emocional silenciosa. E o imperativo da felicidade: sorrir mesmo na dor, agradecer mesmo na sobrecarga, tornou-se uma prisão dourada.

Nunca estivemos tão "livres" e, ao mesmo tempo, tão adoecidas. Os índices de depressão, ansiedade e burnout entre mulheres atingem níveis alarmantes, como alertam diversas pesquisas na área da saúde mental.

A sociedade do desempenho

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em sua obra A Sociedade do Cansaço (2015), descreve essa realidade como uma “sociedade do desempenho”. Nela, o sujeito deixa de ser controlado por repressões externas e passa a se autoexplorar, buscando ser o melhor de si mesmo o tempo todo. O fracasso é vivido como culpa pessoal, e o descanso se torna quase um pecado.

Han afirma que vivemos uma época em que a liberdade foi pervertida: ao invés de nos libertar, ela nos pressiona. Ao invés de permitir pausas, exige movimento constante. Tornamo-nos, nas palavras do autor, “empreendedores de nós mesmos”.

Autocuidado como resistência

Diante desse cenário, o autocuidado precisa deixar de ser apenas mais uma tarefa na agenda. Ele precisa se transformar em um ato de resistência.

Resistir à lógica da exaustão. Resistir à ideia de que o nosso valor está diretamente ligado ao quanto produzimos. Resistir à culpa por simplesmente escolher outro ritmo.

Talvez, hoje, a verdadeira liberdade esteja em dizer "não". Em desacelerar. Em escutar o próprio corpo, respeitar os próprios limites e honrá-los. Talvez liberdade, dentro das possibilidades do que se nomeie liberdade, seja deixar de performar a todo momento e em, diferentes contextos, para, finalmente, viver.


Referência

Han, B.-C. (2015). A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes.


Josiane Campos

Psicóloga Clínica

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